Uma vez ouvi uma estória que falava de um rei que tinha um urso de estimação e um empregado exclusivo para cuidar deste urso. Certa feita, por falta de cuidados, o urso adoeceu e o rei ficou muito furioso, ordenando a execução do servo. No momento de ser levado para a forca, o servo comentou: “que pena que irei morrer logo agora, que já estava quase conseguindo que seu urso falasse”.
O rei, imediatamente, suspendeu a execução e chamou o servo. Este lhe disse que vinha fazendo muitos progressos com o urso. O rei, então, garantiu-lhe que daria dois anos para que seu urso falasse. Caso contrário, o servo seria executado. O servo concordou e pediu que sua família viesse morar no castelo para que ele tivesse mais tempo para ficar com o urso.
A mulher do servo, apavorada, comentou: “Deves estar louco. É claro que não vais conseguir que o urso fale nem em dois nem em mil anos”, ao que o servo respondeu: “Dois anos é muito tempo. Até lá, eu posso morrer, o rei pode esquecer e, principalmente, vai que o urso fale… “.
Gosto desta estória porque ela fala das incertezas da vida e de como muitas coisas definitivas podem acontecer, sem que possamos prever, mas que, acima de tudo, não podemos perder a esperança de sempre tentar preservar a vida, porque “vai que o urso fale…”
Lembrei-me disto porque, recentemente, realizamos no Hospital Mãe de Deus um ciclo de palestras sobre congelamento de sêmen, óvulos e embriões para pacientes jovens com câncer. Segundo dados do Instituto Nacional do Câncer, em 2008, houve 55.000 casos de câncer em pacientes com idade inferior a 35 anos. Muitos destes pacientes terão de se submeter a quimioterapia e/ou radioterapia, o que pode resultar em infertilidade permanente.
Entretanto, uma vez vencida a doença, o esperado é que o paciente retome a sua vida e tenha interesse em ter filhos. Hoje, graças aos avanços das técnicas de congelamento de gametas e de reprodução assistida, já é possível propor a estes pacientes que congelem sêmen, óvulos e até embriões para que possam ser utilizados no futuro, caso a infertilidade pós-tratamento oncológico realmente se estabeleça. Estudos têm mostrado que os pacientes que têm a oportunidade de congelar seus gametas antes dos tratamentos quimioterápicos melhoram sua autoestima e tornam-se mais confiantes para enfrentar a doença.
Para que este procedimento possa ser realizado, é necessário que o paciente seja informado dos riscos que seu tratamento pode oferecer em termos de infertilidade futura. Sem dúvida, o tratamento oncológico tem por objetivo primeiro promover a cura do paciente e jamais deve ser abandonado por medo da infertilidade. O que tem sido proposto é que haja um planejamento envolvendo cirurgião, oncologista, especialistas em reprodução humana, paciente e familiares, que possibilite a este paciente guardar seus gametas, sem que isto comprometa o seu processo de cura.
Pode ser que estes gametas nunca venham a ser utilizados, pois muitos pacientes irão recuperar sua fertilidade e engravidar espontaneamente, mas é mais uma segurança em um momento de tantas incertezas.
Por: Dra Isabel de Almeida